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sábado, agosto 19, 2006

A esquerda enterrada viva

A diferença entre esquerda e direita ainda faz sentido?

Um dos debates da IV FLIP - Festa Literária Internacional de Parati, reuniu o inglês Christopher Hitchens e Fernando Gabeira, com moderação do jornalista Merval Pereira.

Ao fazer as apresentações, Merval observou que ambos tiveram posições radicais de esquerda e hoje atuam no campo da democracia, embora pensem de forma diferente. Lembrou, a propósito, o entendimento amplamente aceito de que a divisão esquerda-direita teria sido superada no presente.

A convergência esquerda-direita é uma idéia bastante generalizada. Confesso que andei seduzido por ela, por conta do fracasso das utopias, da queda do muro, do vale-tudo da luta pelo poder - igualando as correntes políticas - e do abatimento da crítica frente ao absolutismo do mercado.

Porém, faço parte do povo que tem obrigação de ter aprendido sobre o perigo das formas de pensar com ambição de totalidade. Creio que vale problematizar a idéia de que a divisão esquerda-direita é coisa do passado.

Entendo que não há como concordar com a inexistência da divisão esquerda-direita sem admitir que as utopias e projetos da esquerda fracassaram e, portanto, que a direita triunfou.

Venceu - ou está vencendo - o projeto da direita. Tornou-se o sistema dominante, o poder global.

Não há, portanto, convergência, mas hegemonia. Assim, a indistinção entre esquerda e direita nega à esquerda a possibilidade de ser.

Morreu mesmo a esquerda ou se quer enterrá-la viva?

O debate entre Hitchens e Gabeira demonstrou não só diferença como também profunda divergência entre uma direita que pretende completar a dominação global e uma esquerda que se renova.

Hitchens justifica o estado de guerra global, em nome do combate ao fundamentalismo islâmico, e força a confusão entre terrorismo e resistência. Gabeira vê no projeto de impor a democracia em todo mundo, a ferro e fogo, uma utopia tão perigosa como qualquer outra.

Aliás, fundamentalismo de mercado e terrorismo religioso são filhos contemporâneos da mesma chocadeira.

A falta da esquerda não serve à democracia. É bom que a esquerda se renove e se fortaleça, para que a ambição de totalidade, de pensamento único, não insista em se converter em totalitarismo universal e absoluto. E para que possa ter fim o estado de guerra global.

Talvez as noções de esquerda e direita estejam mesmo enfraquecidas e a pós-modernidade peça outras categorias para que se compreenda as mutações em curso na política, na economia e na subjetividade. Talvez seja melhor falar em resistência e poder, como Michel Foucault, Gilles Deleuze, Toni Negri e outros pensadores.

Mas seria tolice deixar esvair a força de palavras e noções que não se esgotaram. A esquerda respira e pode ser o limite do controle globalizante e, também, dos fundamentalismos religiosos. Isso talvez explique a pressa em sepultá-la antes do tempo.