Este mundo possível

Pensamento e ação aqui e agora.

domingo, julho 30, 2006

Direito ao salário social

‘Quando a criação de riqueza não depender mais do trabalho dos homens, eles morrerão de fome às portas do Paraíso, a menos que se estabeleça uma nova política de renda correspondente à nova situação técnica’. Wassily Leontieff, Nobel de Economia, 1973.

O direito ao salário social não é uma proposta original. Consta, há muito tempo, tanto de receituários radicalmente comunistas como de formulações reformistas liberais.

Hoje, o tema parece ganhar relevância frente à percepção de que o desenvolvimento do capitalismo liberou uma potência produtiva que depende cada vez menos do tempo e da quantidade de trabalho.

Não se trata de um episódio ou circunstância momentânea. É um processo que se consolida a cada dia em todo o planeta com os avanços da técnociência e a otimização do sistema produtivo.

Isso nos aconselha a pensar a necessidade de programas de transferência de renda não como assistencialismo, mas como um imperativo sócio-econômico. Se a sociedade não precisa do trabalho de todos, deve assegurar a todos, mesmo aos que não trabalham, uma renda suficiente e incondicional, de forma que possam tomar conta de suas próprias vidas.

Trata-se de uma questão complexa que vem merecendo diferentes abordagens à luz da ética e da economia.

Aos que consideram irrealista a idéia do salário social ou afirmam que se trata de uma demanda ilegítima (por não oferecer contrapartida em termos de criação de riqueza), vale examinar o ensaio de Carlo Vercellone, ‘Mutations du concept de travail productif et nouvelles normes de répartition’. Ele demonstra que a demanda é eticamente legítima e que os recursos para viabilizá-la já podem ser mobilizados.

O nosso Bolsa Família é um pobre e maltratado programa de transferência de renda. É preciso que funcione bem e seja uma etapa para a criação do salário social no Brasil. Para colocá-lo no rumo certo teremos de promover um debate amplo e consistente sobre o tema da transferência de renda, além de contar com um governo dotado de competência e de honestidade.

domingo, julho 23, 2006

O Bolsa Família e a luta política

No Brasil de 2006, no calor da campanha eleitoral, fala-se todos os dias do presente e do futuro do programa Bolsa Família.

Como assinala o senador Eduardo Suplicy - maior defensor e materializador do salário social no Brasil, que ele chama de "renda básica de cidadania" - o Bolsa Família é um ponto de partida, uma etapa da instituição desta idéia no Brasil. Vale ler o pequeno grande livro de Suplicy, Renda Básica de Cidadania: A Resposta dada pelo Vento.

O Bolsa Família passa por um momento de crescimento e também de grande turbulência. O problema é o uso político do programa pelo governo do Presidente Lula e sua transformação em ferramenta da campanha para reeleição.

É a velha apropriação das necessidades dos mais pobres em nome da causa eleitoral.

E, neste caso, põe em risco todo o difícil processo de implementação no país da idéia do salário social por conta do vale tudo da luta política. Para se ter uma idéia, o projeto do senador Suplicy para criar a renda de cidania passou 14 anos tramitando no Congresso Nacional até virar uma lei, ainda meramente autorizativa, sem valores e prazos definidos.

A manipulação eleitoral do Bolsa Família dá munição aos seus adversários, o grande bloco dos que querem outros fins para os gastos do governo e propagam o bordão de que "é preciso criar emprego em vez de dar esmola", procurando desqualificar o conceito de transferência de renda e, junto, a proposta do salário social.

Escamoteam o fato de que a economia contemporânea produz cada vez mais com menos trabalho, o que significa que produz desemprego.

Junta-se a este bloco toda a sorte de críticos de ocasião, a começar por candidatos à Presidência da República, que propõem mudanças no programa no calor do bate-boca de campanha, sem qualquer cuidado com os seus fundamentos.

Mais um capítulo da novela da irresponsabilidade das forças que disputam o poder no Brasil, coisa impensável numa democracia de verdade, em que programas dessa importância são políticas públicas e não de grupos e partidos no poder.

domingo, julho 02, 2006

Aposta na mudança

Hardt e Negri chamam atenção em "Multidão" para as novas relações entre guerra e política. Parece que a guerra começou a vazar, inundando todo o terreno social. O estado de exceção torna-se permanente e generalizado.

Eles recorrem ao mito do golem como ícone da guerra ilimitada.

O golem, monstro da guerra, não distingue amigos e inimigos. Volta-se contra o próprio criador.

A aproximação ou reaproximação de política e guerra reforça a desconfiança de que estamos criando engenhos e formas de vida que se voltam contra nós.

Existe alternativa a isso?

H&N preconizam que é preciso encontrar uma maneira de identificar sinais de advertência e também de reconhecer o potencial do mundo contemporâneo. Criamos os golens em busca da salvação e eles nos ameaçam e nos atacam. Mas também trazem a promessa e a maravilha da criação.

sábado, julho 01, 2006

Não há mesmo nada melhor que isso?

Tem gente que acha e há até quem aposte que a nossa forma de vida é sustentável. Dois terços ou mais da humanidade condenados à pobreza e o resto ao medo. Não só os perdedores sociais, mas também os supostos ganhadores pagam a conta desse modelo de civilização.

Onde é que se esteja e por todos os meios impõem-se a regra: pode-se saber, discutir, reclamar, espernear, mas é vedada a crença na mudança.

Mesmo que estejamos todos acossados, prevalece a certeza de que tudo muda para ficar igual. A vida é assim mesmo.

É um pensamento resignado e cúmplice: o mundo não tem jeito, não há o que fazer e, portanto, vai-se aproveitando o que dá, com a consciência tranquila porque, afinal, se alcançou essa grande verdade.