Este mundo possível

Pensamento e ação aqui e agora.

domingo, agosto 27, 2006

Zuzu Angel e a representação da esquerda armada

Zuzu Angel, o filme de Sérgio Resende, conta com emoção a história da estilista que teve o filho Stuart assassinado pela ditadura militar. Desafina, porém, no tom de cenas e falas dos jovens guerrilheiros dos Anos 60 e 70 e, também, dos personagens da repressão militar. Estes assumem com naturalidade excessiva o papel de vilões. Dos que combateram a ditadura, fica o retrato caricato de jovens cheios de boas intenções, mas ingênuos e irresponsáveis.

Creio que é comum perceber esse mesmo retrato dos jovens rebeldes em outras obras que procuram interpretar ou representar os acontecimentos da luta armada no Brasil.

Comentando, dez anos atrás, a safra de livros sobre a luta armada no Brasil, o historiador Daniel Aarão Reis Filho, publicou o artigo Este imprevisível passado, que resume quatro das interpretações sobre estes movimentos:

“Primeira: meninos alucinados, ou a conciliação de uma sociedade cordial, cansada das lutas que não travou. Segunda: resistentes heróicos, ou a denúncia de uma ditadura com a qual a sociedade não se comprometeu. Terceira: revolucionários que se apresentam como contra-elite, ou a desconfiança de uma vanguarda iluminada no contexto de uma sociedade que não se revoltou contra a sua ditadura. E, finalmente, uma versão apenas tateante, que refere o processo à construção de um ethos, um conjunto de valores, sem a compreensão dos quais nunca será possível compreender estes estranhos anos, quando ainda era possível amar a revolução”.

O artigo conclui que é possível combinar uma ou outra interpretação, mas que não dá para juntar todas no mesmo balaio, sob o risco de produzir incongruências. Aarão Reis observa que as interpretações da história refletem aspirações e interesses distintos. Quando escolhe uma versão do passado, a pessoa está “se posicionando no presente e propondo uma opção de futuro”.

Entendo que, para além de aspirações e interesses, é mesmo difícil compreender – e representar – hoje o que levou aquelas poucas pessoas, na maioria adolescentes, a desafiar o regime militar e acreditar na revolução.

É difícil entender sua maneira de pensar e suas ações. Seria preciso articular com mais rigor e sensibilidade o ambiente político e as histórias pessoais e, sobretudo, considerar o que representava para aqueles jovens viver sob ditadura. Todos estavam submetidos, como ainda estamos, a um sistema injusto e retrógrado. A diferença é que as vozes dos insatisfeitos estavam caladas, toda opinião e ação política não colaboracionista era reprimida com violência. Para aquele tipo de gente não havia escolha. Não iriam concordar nem se omitir. Para eles, a ditadura forçava a opção pelas armas.

Como compreender isso fora da experiência da ditadura? Como representar? Ainda mais se hoje parece claro que, apesar das boas intenções dos que lutaram, nem tudo o que se pretendia corresponderia, se acontecesse, aos seus desejos e sonhos.

sábado, agosto 19, 2006

A esquerda enterrada viva

A diferença entre esquerda e direita ainda faz sentido?

Um dos debates da IV FLIP - Festa Literária Internacional de Parati, reuniu o inglês Christopher Hitchens e Fernando Gabeira, com moderação do jornalista Merval Pereira.

Ao fazer as apresentações, Merval observou que ambos tiveram posições radicais de esquerda e hoje atuam no campo da democracia, embora pensem de forma diferente. Lembrou, a propósito, o entendimento amplamente aceito de que a divisão esquerda-direita teria sido superada no presente.

A convergência esquerda-direita é uma idéia bastante generalizada. Confesso que andei seduzido por ela, por conta do fracasso das utopias, da queda do muro, do vale-tudo da luta pelo poder - igualando as correntes políticas - e do abatimento da crítica frente ao absolutismo do mercado.

Porém, faço parte do povo que tem obrigação de ter aprendido sobre o perigo das formas de pensar com ambição de totalidade. Creio que vale problematizar a idéia de que a divisão esquerda-direita é coisa do passado.

Entendo que não há como concordar com a inexistência da divisão esquerda-direita sem admitir que as utopias e projetos da esquerda fracassaram e, portanto, que a direita triunfou.

Venceu - ou está vencendo - o projeto da direita. Tornou-se o sistema dominante, o poder global.

Não há, portanto, convergência, mas hegemonia. Assim, a indistinção entre esquerda e direita nega à esquerda a possibilidade de ser.

Morreu mesmo a esquerda ou se quer enterrá-la viva?

O debate entre Hitchens e Gabeira demonstrou não só diferença como também profunda divergência entre uma direita que pretende completar a dominação global e uma esquerda que se renova.

Hitchens justifica o estado de guerra global, em nome do combate ao fundamentalismo islâmico, e força a confusão entre terrorismo e resistência. Gabeira vê no projeto de impor a democracia em todo mundo, a ferro e fogo, uma utopia tão perigosa como qualquer outra.

Aliás, fundamentalismo de mercado e terrorismo religioso são filhos contemporâneos da mesma chocadeira.

A falta da esquerda não serve à democracia. É bom que a esquerda se renove e se fortaleça, para que a ambição de totalidade, de pensamento único, não insista em se converter em totalitarismo universal e absoluto. E para que possa ter fim o estado de guerra global.

Talvez as noções de esquerda e direita estejam mesmo enfraquecidas e a pós-modernidade peça outras categorias para que se compreenda as mutações em curso na política, na economia e na subjetividade. Talvez seja melhor falar em resistência e poder, como Michel Foucault, Gilles Deleuze, Toni Negri e outros pensadores.

Mas seria tolice deixar esvair a força de palavras e noções que não se esgotaram. A esquerda respira e pode ser o limite do controle globalizante e, também, dos fundamentalismos religiosos. Isso talvez explique a pressa em sepultá-la antes do tempo.

sexta-feira, agosto 04, 2006

É bom perguntar a quem interessa o voto nulo

Bom mesmo é se perguntar sobre tudo e tentar achar respostas no balaio da dúvida e da perplexidade. Com um pouco de boa vontade, dá para desanuviar a paisagem e perceber escolhas possíveis.

A eleição se aproxima e cresce a onda do ninguém presta e é tudo o mesma coisa. Todo candidato é safado. Então, vamos anular o voto! Quem ganha com isso não é o eleitor, o povo, a sociedade. Quem ganha é a banda podre da política, os que se elegem às custas da miséria e da ignorância, os corruptos. Estes têm votos garantidos nos currais pelo tráfico de influência e favores, pelo fisiologismo e pelo messianismo.

A eleição é uma ótima ocasião para exercitar o compromisso com este mundo possível. Não existe outro mundo. Nada vai melhorar se não fizermos hoje a melhor escolha ao nosso alcance.

Um passo para isso pode ser uma visita ao site da Transparência Brasil para conhecer o Projeto Excelências. Trata-se de um cadastro de todos os candidatos que buscam a reeleição à Câmara Federal e mais ex-ministros, ex-governadores etc que também são candidatos a deputados federais. Inclui dados pessoais, desempenho legislativo, processos judiciais e menções publicadas na imprensa se o candidato está ligado a casos de corrupção.

Outro passo é acompanhar o debate e apoiar a tese de que a Constituição Federal, em seu parágrafo 10, permite a impugnação da posse de políticos eleitos que tenham contra si provas de abuso do poder econômico, fraude ou corrupção.

Toda grande marcha começa como o primeiro passo. Aqui temos dois que podem nos levar a ter um parlamento legítimo e respeitado pela população.